O papel oculto da assistência social na saúde mental

Por Portal Saúde Confiável

15 de julho de 2025

Quando se fala em saúde mental, muita gente ainda pensa em psiquiatra, terapia ou remédio controlado. Mas o bem-estar emocional, especialmente em famílias que vivem em situação de vulnerabilidade, vai muito além disso. Existe um fator pouco falado — quase invisível — que influencia diretamente o equilíbrio psicológico dessas pessoas: a assistência social.

Sim, o acesso a programas assistenciais, por mais que pareça focado no aspecto financeiro, é também uma forma de cuidado mental. Porque viver sem saber se vai conseguir comer no fim do dia, sem ter dinheiro para comprar um remédio ou sem apoio para cuidar de um familiar com deficiência… tudo isso adoece. E adoece profundamente. A ansiedade, a depressão e o esgotamento emocional nascem ali, nesse espaço onde falta tudo — menos preocupação.

É nesse ponto que a rede de assistência atua, ainda que de forma indireta. Um benefício aprovado, uma visita do CRAS, uma cesta básica que chega em um momento crítico — esses gestos, pequenos na estrutura do Estado, podem representar uma enorme diferença para quem está no limite da exaustão. E o impacto disso na saúde mental é real, ainda que pouco mensurado.

Quer entender melhor como essa conexão acontece? Nos tópicos a seguir, vamos explorar as várias formas — muitas vezes silenciosas — com que a assistência social ajuda a manter o equilíbrio emocional de milhares de famílias brasileiras.

 

Renda mínima e a redução do sofrimento psíquico

A instabilidade financeira é um gatilho poderoso para crises de ansiedade, insônia, ataques de pânico e até depressão profunda. O medo constante de não conseguir pagar o aluguel, de faltar comida, de não ter como cuidar dos filhos… tudo isso vai se acumulando e criando um estado de alerta permanente no corpo e na mente.

O acesso ao bpc loas, por exemplo, não resolve todos os problemas, mas reduz significativamente o estresse crônico. Saber que, todo mês, aquele valor vai cair na conta traz uma sensação de segurança mínima, que por si só já acalma a mente. A pessoa consegue dormir melhor, pensar com mais clareza, tomar decisões menos impulsivas.

O que é invisível aqui é justamente o que mais importa: o alívio mental. Quando o básico está garantido, o sistema nervoso desliga o modo sobrevivência. E só aí a pessoa pode começar a pensar em outras áreas da vida — saúde, estudos, trabalho. É por isso que assistência social e saúde mental precisam andar juntas, mesmo que ninguém fale disso abertamente.

 

Burocracia e o impacto emocional de buscar ajuda

Por outro lado, o processo de tentar acessar um benefício pode ser extremamente desgastante. A burocracia, a falta de informação, a espera interminável, o medo de ser negado… tudo isso gera um sofrimento que, muitas vezes, não é reconhecido por quem está do outro lado do balcão.

É comum ver relatos de pessoas que chegam ao CRAS chorando, desesperadas, já no limite. Elas não estão só pedindo dinheiro — estão pedindo alívio, apoio, acolhimento. E, quando o processo é empático e bem orientado, já há uma melhora significativa no estado emocional. Informar corretamente quais os documentos necessários para dar entrada no bpc evita frustrações desnecessárias. É o básico, mas que ainda falha muito.

A espera e a incerteza, quando prolongadas, são venenos silenciosos. Elas corroem a esperança e alimentam o sentimento de abandono. E isso, em uma pessoa já fragilizada por uma condição social difícil, pode ser o gatilho para uma crise grave de saúde mental. O acolhimento, nesse contexto, não deveria ser um extra — deveria ser regra.

 

O valor emocional do reconhecimento de direitos

Uma das coisas mais poderosas que a assistência social pode oferecer não é dinheiro — é reconhecimento. Quando o Estado olha para uma pessoa e diz “você tem direito”, aquilo mexe com algo muito profundo: autoestima, pertencimento, dignidade. E isso tem efeito direto sobre o bem-estar emocional.

Pessoas que recebem um benefício, como os tipos de aposentadoria loas, por exemplo, muitas vezes relatam um sentimento de alívio não só financeiro, mas existencial. “Agora eu existo para o governo”, “agora posso ajudar em casa”, “agora não sou mais um peso”. Essas frases dizem muito mais sobre saúde mental do que qualquer prontuário médico.

Em situações de vulnerabilidade, o sentimento de inutilidade é corrosivo. E o benefício assistencial, por mais técnico que pareça, funciona como um sinal de que aquela vida importa. Que aquele sofrimento está sendo reconhecido. E isso fortalece a mente, devolve o mínimo de autoestima e rompe, mesmo que um pouco, o ciclo da exclusão emocional.

 

Deficiências invisíveis e a solidão dentro de casa

Quem vive com alguma condição de saúde mental grave, como esquizofrenia, depressão severa ou transtorno bipolar, muitas vezes enfrenta um sofrimento dobrado: o da própria doença e o da invisibilidade. Em muitos lares, essas pessoas ficam isoladas, sem diagnóstico, sem tratamento e — o pior — sem acesso a direitos básicos.

O primeiro passo para mudar esse cenário é o reconhecimento formal da condição. E, para isso, é essencial ter um laudo bem feito, com o código cid 10 correto e uma descrição clara do impacto funcional da doença. Sem isso, a assistência não chega, o benefício é negado e o sofrimento se agrava.

É nesse ponto que o serviço social pode agir como ponte. Encaminhar a pessoa para a rede de saúde, acompanhar o caso, ajudar a construir o laudo e garantir que ela entre no radar dos programas assistenciais. Porque ninguém consegue melhorar emocionalmente quando está preso em casa, sem apoio, sem perspectiva e sem voz.

 

Vínculos sociais e o papel dos serviços comunitários

Saúde mental não se trata apenas de psicólogos e medicamentos — se trata também de relações. E é aí que os serviços da assistência, como os Centros de Convivência, os grupos do PAIF e os projetos comunitários ganham importância. Eles criam laços, tiram as pessoas de casa, promovem rodas de conversa, oficinas, escuta ativa. Tudo isso é terapia — mesmo que ninguém chame assim.

Esses espaços permitem que mulheres em situação de violência se encontrem, que jovens em situação de rua compartilhem suas angústias, que idosos se reconectem com a comunidade. E esse “simples” vínculo social tem um impacto gigantesco na autoestima, na motivação e na prevenção de transtornos mentais.

É nesse contexto que benefícios como o benefício de prestação continuada se tornam parte de uma rede mais ampla. Eles não são o fim, mas o início de uma nova etapa — onde a sobrevivência deixa de ser o foco exclusivo, e o bem-estar passa a ser, finalmente, possível.

 

Sobrevivência emocional em lares com múltiplas vulnerabilidades

Quando a pobreza se mistura com doença, abandono, violência e exclusão, o impacto sobre a saúde mental é devastador. Não se trata mais de uma dor específica — é uma sobrecarga constante, uma sobrevivência emocional diária. E nessas casas, onde tudo falta, qualquer gesto do poder público pode ser um ponto de virada.

A assistência social, nesses contextos, funciona como uma rede de contenção. Ela não resolve tudo — e nem se espera isso dela. Mas ela sustenta, ampara, escuta, acompanha. E esse tipo de presença tem valor terapêutico. Quando a pessoa sabe que alguém vai voltar, que alguém se importa, que alguém pode ajudar… ela segura firme por mais um dia.

É por isso que o trabalho da assistência precisa ser valorizado não só pela entrega de recursos, mas pelo cuidado subjetivo que ela oferece. Em tempos em que o sofrimento mental cresce de forma silenciosa nas periferias, talvez o acolhimento seja o maior benefício que um serviço público pode oferecer. E talvez o menos reconhecido também.

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