Advocacia criminal e saúde mental: desafios e superação

Por Portal Saúde Confiável

12 de maio de 2025

Falar sobre saúde mental na advocacia criminal ainda é, para muitos, um tabu. A profissão carrega uma imagem de força, controle e frieza emocional — quase como se fosse proibido demonstrar fragilidade. Mas a realidade é bem mais humana (e dura): quem vive o dia a dia dessa área sabe o quanto o desgaste psicológico pode ser intenso, silencioso e, muitas vezes, negligenciado.

Jornadas longas, prazos implacáveis, pressão de clientes e familiares, envolvimento emocional com casos delicados, contato frequente com histórias de dor e injustiça… tudo isso vai se acumulando. E quando o alívio não vem, quando não há espaço para o cuidado interno, os efeitos começam a aparecer: ansiedade, insônia, irritabilidade, exaustão crônica e até depressão.

O problema é que, diferente de outras profissões, o advogado criminalista não pode simplesmente “desligar”. O telefone toca a qualquer hora, o cliente pode ser preso a qualquer momento, a urgência é constante. Por isso, o desafio de cuidar da saúde mental na advocacia penal é ainda maior — e requer estratégias muito específicas de enfrentamento e superação.

Neste texto, vamos explorar os principais desafios enfrentados por quem atua nessa área, e refletir sobre caminhos reais — e possíveis — para preservar o equilíbrio emocional sem abrir mão da excelência na atuação. Sim, é possível sobreviver e até prosperar na advocacia criminal sem se perder no processo. E a conversa começa agora.

 

O peso emocional de quem defende vidas

Ser advogado criminalista é mais do que exercer uma profissão — é, muitas vezes, carregar nas costas a expectativa (e o desespero) de famílias inteiras. Cada processo envolve uma história real, um rosto, uma angústia. E mesmo tentando manter a racionalidade, o envolvimento emocional é inevitável.

A dificuldade está em equilibrar empatia e proteção emocional. Muitos criminalistas acabam internalizando as dores que escutam diariamente, e isso corrói por dentro. Casos de violência, injustiça, prisões arbitrárias… tudo isso se acumula como um peso invisível, que nem sempre é reconhecido — nem pelo profissional, nem pelos colegas.

Por isso, é fundamental aprender a criar “filtros emocionais” sem perder a humanidade. Estabelecer limites, praticar o distanciamento necessário e buscar apoio psicológico com regularidade são atitudes que não demonstram fraqueza — demonstram inteligência emocional. Cuidar de si é cuidar da própria capacidade de defender bem.

 

A pressão ética e o medo de errar

Outro ponto crítico na saúde mental do advogado penal é a constante pressão ética. Cada decisão tomada, cada palavra dita, cada peça protocolada pode ser analisada e, em casos extremos, questionada formalmente. Isso cria um ambiente de tensão constante, em que o medo de errar se transforma num fantasma que persegue o profissional.

E quando erros acontecem — porque sim, todos erram — a culpa pode vir com força devastadora. Muitos advogados, ao enfrentar uma defesa em processos no Tribunal de Ética da OAB, sentem vergonha, isolamento e até vontade de abandonar a profissão. Isso porque não existe, ainda, uma cultura interna de acolhimento e aprendizado com os erros.

É necessário normalizar o debate sobre falhas, criar redes de apoio entre colegas e entender que ética também envolve reconhecer limites. A pressão só diminui quando há espaço para diálogo e quando os ambientes profissionais deixam de ser campos de julgamento e passam a ser espaços de amadurecimento coletivo.

 

A urgência que nunca acaba

Entre prisões em flagrante, plantões inesperados e petições de emergência, a rotina do criminalista é marcada por urgência. A audiência de custódia, por exemplo, costuma acontecer com pouco tempo de preparação. O telefone toca às 2h da manhã, o cliente foi preso, o advogado precisa se movimentar — mental, emocional e fisicamente — em questão de minutos.

Esse nível de adrenalina contínua é insustentável. O corpo e a mente precisam de descanso para funcionar bem. Sem pausas adequadas, o profissional entra em estado de alerta permanente — e isso gera esgotamento físico, dificuldade de concentração e um risco crescente de colapso emocional.

Uma das formas de lidar com isso é estabelecer rotinas mínimas de recuperação. Intervalos reais entre atendimentos, dias sem plantões, horários fixos para alimentação e descanso. Parece impossível? Talvez, em certos momentos. Mas ajustar a expectativa e organizar a agenda com mais inteligência é o primeiro passo para respirar — e resistir.

 

Os impactos invisíveis de lidar com casos sensíveis

Casos de crimes contra honra, por exemplo, costumam parecer mais leves à primeira vista. Mas engana-se quem pensa que são processos sem carga emocional. Quando o advogado ouve relatos de humilhação pública, bullying, ataques virtuais ou exposição indevida, ele também é afetado por essa atmosfera de tensão e sofrimento.

A sensação de impotência diante da morosidade da justiça ou da fragilidade das provas pode gerar frustração e angústia. E isso não desaparece ao fim do expediente. O advogado leva essa energia pra casa, para o sono — e muitas vezes para a própria autoestima profissional. “Será que fiz o suficiente?” vira um pensamento recorrente.

Aprender a reconhecer esses impactos é parte do cuidado com a saúde mental. Não subestimar a carga emocional, conversar com colegas de confiança, procurar terapia quando necessário. Quanto mais sensível for o caso, mais estratégico precisa ser o cuidado emocional do defensor.

 

Rotina intensa e o peso da cidade

Quem atua na advocacia criminal Rio de Janeiro enfrenta uma realidade ainda mais dura. Trânsito, violência urbana, pressão midiática e fóruns lotados são apenas alguns dos elementos que intensificam o estresse do dia a dia. Além da complexidade dos casos, há a pressão ambiental constante.

A cidade não para — e o advogado sente que também não pode parar. Mas precisa. Criar uma rotina que inclua pausas, deslocamentos com menos pressa, espaços de silêncio e atividades fora do direito é mais do que uma sugestão. É uma necessidade para quem quer continuar atuando sem se desgastar por completo.

Investir em qualidade de vida, mesmo em meio ao caos urbano, é uma decisão estratégica. O profissional mais saudável, mais centrado, consegue atender melhor, negociar melhor e resistir mais tempo no mercado. O cuidado pessoal não é vaidade — é ferramenta de sobrevivência.

 

Superar é reorganizar, não romantizar

Superar os desafios emocionais da advocacia criminal não é fingir que está tudo bem — é aprender a reconhecer os sinais, reorganizar prioridades e construir estratégias de longo prazo. Não há espaço para romantizar o sofrimento como “parte do ofício”. Essa mentalidade precisa ser substituída por uma cultura de autocuidado e apoio mútuo.

Isso inclui buscar suporte psicológico, fazer terapia, praticar atividades físicas, melhorar a alimentação, respeitar limites e, sobretudo, criar conexões humanas dentro da profissão. Conversar, desabafar, dividir experiências. O isolamento só agrava o problema — e a vulnerabilidade compartilhada pode se transformar em força coletiva.

A advocacia criminal exige muito. Mas não pode exigir tudo. E é possível — com planejamento, consciência e coragem — construir uma rotina mais equilibrada, mais leve e mais sustentável. Porque, no fim das contas, não existe defesa sólida sem defensor em pé.

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